Tese aprovada na UFBA trata de maternagem nas ruas de Aracaju
- 29 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de mai.

Os desafios de ser mãe em situação de rua no município de Aracaju foram abordados na tese de doutorado “Maternagem em Situação de Rua: estudo etnográfico para os cuidados de enfermeiras” apresentada e aprovada, nesta segunda-feira (28), na Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador.
O estudo trouxe a experiência de 15 mulheres acompanhadas pela enfermeira e autora da pesquisa, Keila Cristina Costa dos Santos. Com informações coletadas mediante entrevistas no ‘Encontro Mães das Ruas’, desenvolvido em parceria com o Consultório de Rua de Aracaju.
A pesquisa foi desenvolvida em um ambiente majoritariamente masculino (81%) - são 623 pessoas em situação de rua (sendo101 mulheres) acima de 18 anos e dormindo diariamente nas ruas da capital de Sergipe, segundo o Censo da População em Situação de Rua de Aracaju. Ela revela que 53% das 15 mulheres entrevistadas eram pretas, 46% pardas, 66% estavam há cerca de 9 anos em situação de rua e 8 usavam álcool/drogas. No quesito religiosidade, são evangélicas (53%), católicas (20%) e sem religião (26%).
A presença mais evidente dessas mulheres foi percebida com a chegada da pandemia da Covid-19, grande parte sem a companhia de parceiros, aumentando o desafio da maternagem - que é o conjunto de práticas e cuidados das mães para com os filhos. “Eram mães e mulheres nas ruas e isso ainda perpetua. Quando estavão com os companheiros, elas preferiam dizer que estavam solteiras porque tinham uma relação conflituosa”, pontua a pesquisadora, revelando a fragilidade dessas relações.
O trabalho foi aprovado com recomendação de publicação e indicação ao Prêmio Capes de Tese pela banca examinadora, por desenvolver de forma científica, inédita e sensível uma temática muitas vezes silenciada ou mesmo descredibilizada pela sociedade e autoridades responsáveis pela aplicação das políticas públicas. E denuncia a violação contra os direitos à maternagem, a falta de atendimento digno nas unidades de saúde, a violência física e até a retirada compulsória dos filhos por parte dos representantes das organizações que deveriam proteger mães e filhos. “Onde estão os direitos humanos dessas mulheres?”, questionou a enfermeira.
Na tese, para não identificar essas mulheres, a pesquisadora substituiu os nomes por espécies de plantas suculentas, por serem fortes às adversidades. Confira abaixo alguns relatos:
“A coisa mais feliz da minha vida, é meus filhos tando do meu lado. Só me sinto feliz quando vejo o sorriso deles, que eu acordo de manhã com eles: ‘Bença mãe’, ‘Deus abençoe’, ‘mainha te amo viu?” – (Flor de Cera).
“Sempre tem um filho de Deus que ajuda, já tem outros que crítica, às vezes fala: tem casa e fica na rua morando. Se eu tivesse uma casa eu não estaria aqui na rua, sendo humilhada pelos outros. Eu sou um lixo é interrogação um lixo, é? Que usa e joga fora” – (Pedra da Lua).
“Tá gestante na rua não é muito legal não, é dificultoso porque não tem o que se alimentar direito e a gente precisa se alimentar direito, precisa de um banho, não tem condições de tomar um banho direito. Graças a Deus eu tô tendo minhas consultas certinha com a médica, mas é dificultoso para tudo” – (Flor de Cera).
“Hoje não tem um sabonete, mas tem uma pasta de dente que é bom pra bactéria, como diz o médico, aí uma vez não tinha sabonete, peguei o creme dental coloquei na mão e passei no corpinho dele, ele ficou cheirosinho” – (Pedra da Lua).
“No posto de saúde, que eu tive um acompanhamento, as pessoas eram racistas, que nem tocava na pessoa, principalmente a médica que eu falei. Ela prefere ficar no celular do que falar com a pessoa, nem olhar pra pessoa. Ela me consulta, não toca na gente, fica no computador falando ali, nem olha pra pessoa” – (Echeveria).
Comments