Sergipe: Relatório de Combate à Tortura denuncia condições de Presídio Feminino
- 7 de mai.
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Por Anderson Barbosa.
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Sergipe (MEPCT/SE) denunciou graves violações de direitos humanos contra as internas do Presídio Feminino (Prefem), localizado no município de Nossa Senhora do Socorro, na Região Metropolitana de Aracaju. As informações foram coletadas durante três visitas realizadas no mês de fevereiro de 2025 e estão reunidas nas 128 páginas do Relatório de Inspeção do Presídio Feminino.
Inaugurado em 2010, o Prefem possui dois pavilhões e 31 celas, com capacidade para abrigar 175 internas. No entanto, até dezembro de 2024, havia 233 mulheres custodiadas — 58 a mais do que o permitido —, o que representa uma média de 8 mulheres por cela.
O MEPCT/SE constatou violações ao Artigo 84 da Lei de Execução Penal, que determina a separação entre presas condenadas e provisórias em locais distintos. “Trata-se de uma violação massiva de direitos humanos no sistema prisional sergipano, o que requer atuação conjunta e colaborativa de instituições e órgãos dos Poderes Públicos”, afirma o documento.
Os peritos disseram que as internas reclamam terem recebido carne estragada. “Segundo os relatos, a alimentação servida nas quentinhas chegou estragada. Nas palavras de uma interna: ‘Na semana passada, a carne veio podre e teve que voltar’.” Além disso, foi denunciado que as revistas no presídio são vexatórias e contam com o aval da direção da unidade. As internas também relataram a imposição de medidas corretivas abusivas.

“A cela denominada de “Íntimo 02” é totalmente escura, inexistindo iluminação artificial proveniente de lâmpada. Além disso, o Mecanismo Estadual observou a ausência de colchão e roupas de cama, bem como a restrição do acesso à água. As internas se encontravam há dias neste espaço, em total escuro, relatando inclusive o acúmulo de fezes e outros excrementos corporais, tendo em vista a impossibilidade de dar descarga no vaso sanitário. Além disso, os peritos do MEPCT/SE escutaram gritos das custodiadas, indicando possível quadro de sofrimento mental. Tal situação pode configurar crime de tortura (...) Uma delas estava sem acesso ao tratamento medicamentoso para HIV. As internas dormiam na ‘pedra’”.
As irregularidades apontam ainda discriminação contra pessoas da comunidade LGBTI+, além do uso abusivo da força, com relatos do emprego de spray de pimenta, balas de borracha e agressões físicas. O relatório também contesta a qualidade da alimentação fornecida e aponta dificuldades no acesso à saúde, especialmente no atendimento de rotina, realização de exames, acompanhamento psicológico, psiquiátrico, ginecológico e odontológico. Há ainda limitação na quantidade e variedade de alimentos e itens fornecidos pelas famílias, restrição ao acesso à água e irregularidades na distribuição e frequência das visitas íntimas e familiares.

A diretoria e os servidores do presídio confirmaram a existência de limitação no fornecimento de água para as internas, disponível apenas das 6h às 9h e das 15h às 19h. “Elas relatam a dificuldade e o constrangimento causados pelo racionamento de água, especialmente no período menstrual, quando há uma necessidade maior de higiene pessoal e de hidratação. Para as custodiadas, a liberação regular da água é essencial para a manutenção da saúde da mulher.” Quando questionada sobre a restrição no acesso à água, a diretora afirmou que “a conta vinha alta”.
Durante a visita, foram encontrados colchões rasgados e quantidade insuficiente de ventiladores. “Itens de higiene bucal e íntima, assim como pertences e acessórios, estavam espalhados pelo chão ou sobre os beliches de concreto (...) Não há armários ou outros compartimentos para a organização dos objetos pessoais e alimentícios”, que permanecem desorganizados pelo chão, sobre os beliches e pendurados nas paredes.
Cada cela possui um banheiro com vaso sanitário e um chuveiro. “Não há encanamento direto para o vaso sanitário, razão pela qual as internas utilizam baldes e outros recipientes para fazer a descarga manual.”

Recomendações
O relatório do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Sergipe (MEPCT/SE) apresenta 98 recomendações a serem aplicadas na unidade prisional de Nossa Senhora do Socorro. As ações e medidas são destinadas ao Poder Público e às demais instituições e autoridades competentes. As recomendações abrangem atribuições dos poderes públicos no âmbito do Estado de Sergipe e do Município e, quando pertinente, estendem-se ao Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJ/SE), ao Ministério Público do Estado de Sergipe (MP/SE), à Defensoria Pública do Estado de Sergipe (DPE/SE) e ao Ministério Público Federal (MPF).
Entre as recomendações voltadas à infraestrutura do presídio, classificadas como de “caráter geral e preventivo” e de “caráter específico e corretivo”, destacam-se:
Reforma da unidade prisional, visando à melhoria da edificação existente, incluindo celas, pátio/quadra de esportes, pavilhões, banheiros, entre outros;
Reforma e/ou restauração da Ala LGBTI+, com o objetivo de sanar infiltrações, eliminar fungos e reparar rachaduras, revitalizando o espaço e tornando-o adequado para o cumprimento da pena;
Modificação do telhado nas áreas cobertas do PREFEM, a fim de proporcionar isolamento térmico e consequente redução da temperatura ambiente na unidade;
Instalação e/ou construção de cobertura no pátio/quadra de esportes (área de banho de sol das custodiadas);
Revitalização e arborização das áreas comuns, por meio da criação e manutenção de hortas, plantio de árvores e outras plantas;
Inutilização e reforma da cela denominada “Íntimo 02”, localizada no Pavilhão 02 da unidade prisional, destinando-lhe outra função que não a de custódia, seja temporária ou definitiva, de pessoas privadas de liberdade.
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