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Catadores de material reciclável ganham apoio para deixar a informalidade e impulsionar a economia circular

  • 6 de jun.
  • 10 min de leitura

Atualizado: 8 de jun.

O programa Pró-Catadores Sergipe, criado pelo Governo Federal e desenvolvido pelo Sebrae, fará a ponte entre os profissionais e os órgãos públicos.

Cerca de 150 catadores trabalham com segurança na coleta de material reciclável na Orla da Atalaia.             Foto: Anderson Barbosa
Cerca de 150 catadores trabalham com segurança na coleta de material reciclável na Orla da Atalaia. Foto: Anderson Barbosa

Por: Anderson Barbosa


ARACAJU - Sábado, 7 de junho, é o Dia Estadual dos Catadores de Material Reciclável. Trabalhadores que atuam como agentes ambientais, promovendo a sustentabilidade e enfrentando os desafios diários para garantir o sustento deles e das famílias. A Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Material Reciclável (ANCAT) estima que Sergipe tenha cerca de 1.900 catadores (as), muitos ainda na informalidade.


Através do Programa Pró-Catadores SE, lançado no início do mês, o Sebrae ofertará capacitações para habilitá-los nos editais do Estado e dos Municípios, assando pela formalização, conquistar direitos e ampliação dos impactos da economia circular no Estado. Enquanto isso, histórias de superação e inovação mostram como o que antes era descartado pode ganhar novas formas e significados.


A atividade praticada por eles ajuda a diminuir o impacto dos resíduos nos espelhos d’água e no solo em todas as partes do planeta, uma vez que a decomposição desses materiais pode levar anos — a exemplo da garrafa PET (100 anos), do alumínio (entre 200 e 500 anos) e do vidro (indeterminado)/(Fonte: Ambiente Brasil).


É comum que esse trabalho seja desempenhado de forma precária (sem o uso de equipamentos de proteção), com pagamentos irrisórios e sem a mínima garantia de segurança trabalhista. Sem isso, em caso de acidente de trabalho, esses profissionais acabam sem amparo legal, aumentando as dificuldades.


José Reinaldo recolheu 20kg de latinhas de alumínio no Arraiá do Povo, em Aracaju.                               Foto: Anderson Barbosa
José Reinaldo recolheu 20kg de latinhas de alumínio no Arraiá do Povo, em Aracaju. Foto: Anderson Barbosa

É o caso de José Reinaldo de Santana, com quem o Que Vem das Ruas conversou no dia 31 de maio, enquanto trabalhava na Orla da Atalaia, em Aracaju, um dia após a abertura do Arraiá do Povo e da Vila do Forró — eventos realizados pelo Governo do Estado. Em dois dias, ele conseguiu arrecadar 20 kg de latinhas de alumínio, vendidas na estrutura Coleta do Bem da Cooperativa dos Agentes Autônomos de Reciclagem de Aracaju (CARE), lá mesmo na Praça de Eventos.


Pelo material vendido no espaço, José recebeu R$ 160, pois cada quilo do alumínio foi comprado pela cooperativa por R$ 8,00. Quem entregou vidro recebeu R$ 0,45 pelo quilo e R$ 2,00 pelo mesmo volume de garrafas PET.


“A gente faz a limpeza, ganha alguns trocados e ainda se diverte nos eventos, para fazer a economia crescer. Recolho essas latinhas em vários pontos da cidade, em festas, como a de hoje, no mercado, na Ceasa. Isso é bom para a gente e para o meio ambiente”, explica José Reinaldo, catador há três anos.

Pela primeira vez, ele foi trabalhar com os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) entregues pelo Governo de Sergipe, através da Secretaria da Inclusão Social, na Estação Acolher. Nesta ação, foram cadastrados 150 catadores que usarão o espaço para trabalhar durante os 60 dias da festa.


No local, o serviço acontece das 16h às 7h e os catadores podem deixar os filhos na creche do espaço enquanto trabalham (com direito a refeição, lazer e dormitórios). Os catadores contam com um apoio ao lado, onde também fazem as refeições, tomam banho e ainda podem descansar antes de voltar para casa.


O governador Fábio Mitidieri entende como uma ação necessária para quem passa por uma jornada exaustiva e serve como porta de entrada para outros serviços e direitos na área da Assistência Social. “A gente pode ajudar a transformar a vida dessas pessoas, com mais dignidade. Por isso, fico feliz em ajudar cada um deles, somando forças com a Estação Acolher”, afirmou.

Tempo de decomposição: garrafa PET (100 anos), alumínio (entre 200 e 500 anos) e vidro (indeterminado).         Foto: Anderson Barbosa
Tempo de decomposição: garrafa PET (100 anos), alumínio (entre 200 e 500 anos) e vidro (indeterminado). Foto: Anderson Barbosa

A Secretária de Estado da Assistência Social informou que o trabalho dos catadores (as) de material reciclável no Arraiá do Povo, entre os dias 30/05 a 07/06, resultou no recolhimento de: vidro 951,3 kg; pet 746,3 kg; latinhas 3.434,7 kg; e plástico 61,6 kg. A receita total gerada foi de R$ 29.429,08.


Trabalho em União

O Sebrae tem catalogado 52 cooperativas atuando na coleta e beneficiamento dos resíduos sólidos em Sergipe. Uma delas é a Cooperativa de Reciclagem União fundada em 2021 e composta por 22 catadores no Bairro 17 de Março, Zona de Expansão de Aracaju. O trabalho de coleta é feito porta a porta nos bairros e através das entregas na sede da cooperativa.


“Saímos das ruas e estamos no galpão, trabalhando dignamente e cuidando do planeta. Pedimos a todos os companheiros, a sociedade, que não descarte a sua reciclagem. O que para muitos é lixo, para nós é sustento. Sobrevivemos da reciclagem e estamos fazendo um ótimo trabalho como agentes ambientais”, reforçou o presidente da cooperativa, Jackson Miller.

Até 2013, a situação de Jackson e dos cooperados era bem diferente. Eles trabalhavam no antigo lixão do Povoado Terra Dura, no Bairro Santa Maria, criado em 1988 pela Prefeitura de Aracaju para receber os resíduos sólidos. Era tanto lixo orgânico e material reciclável que chegavam a formar montanhas.


Era comum observar as famílias retirando do lugar comidas estragadas ou com data de validade vencida para, horas depois, servir na próxima refeição, contrariando todas as recomendações da Vigilância Sanitária. Muitas vezes, a disputa era homem x abutres. As crianças também trabalhavam para ajudar os pais e ali mesmo faziam do lugar uma espécie de parque de diversão, ignorando todos os perigos.


“Minha história com o lixão começou aos sete anos de idade. Cheguei a morar com minha mãe no lixão. Tanto eu como outros colegas. Quando o lixão fechou, ficamos trabalhando em ferro-velho, em sucatão; outros foram trabalhar na rua”, lembrou Jackson, que hoje tem 35 anos de idade.

Em abril de 2013, o lixão a 'céu aberto' fechou e todos os resíduos sólidos e orgânicos passaram a ser levados ao Aterro Sanitário da Empresa Estre no município de Rosário do Catete, distante 36 km da capital. O encerramento das atividades foi uma ação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº 12.305/2010), que tinha como limite o ano de 2014 para que as prefeituras cumprissem as normas de controle ambiental.



Ronaldo Lima trabalha com sucatas que levariam anos para se decompor no meio ambiente.                              Foto: Arquivo Pessoal
Ronaldo Lima trabalha com sucatas que levariam anos para se decompor no meio ambiente. Foto: Arquivo Pessoal

Do lixo ao luxo

Catracas de bicicletas sem serventia, latas de alumínio, pedaços de metal e outras sucatas são materiais utilizados nas esculturas contemporâneas desenvolvidas pelo baiano Ronaldo Lima, que há 14 anos escolheu Aracaju para morar e desenvolver a atividade sustentável. Para ele, este é um trabalho de formiguinha que gradativamente vira um conceito executado por empresas e pessoas físicas.


“É muito gratificante saber que esse material reutilizado poderia estar disperso no meio ambiente, poluindo os lençóis freáticos. Isso nos dá uma sensação de que estamos fazendo algo de bom. O Brasil desperdiça muita coisa: 40% da água potável e 36% da alimentação. Apenas 4% dos resíduos são reaproveitados”, lamenta o artista.


Uma dessas esculturas retrata um catador de material reciclável que, nas palavras do artista, na luta pela sobrevivência transforma-se em “uma empresa preocupada em defender, cuidar e proteger o meio ambiente”.

'O Catador de Latinhas' obra do baiano Robson Lima produzida com material reciclável.                               Foto: Anderson Barbosa
'O Catador de Latinhas' obra do baiano Robson Lima produzida com material reciclável. Foto: Anderson Barbosa

O despertar da vocação pelas artes plásticas começou aos seis anos de idade, sob a influência dos pais: João Sena Lima, um exímio marceneiro, e a artesã Berenice Galdino Bispo Lima. “Isso me possibilitou tomar gosto pela arte. Comecei a pegar sobras de material, tanto de minha mãe como de meu pai, e confeccionava os meus brinquedos”, revelou.


No ano de 2006, Ronaldo resolveu usar o talento como profissão e, ao retornar de São Paulo para o estado natal, trabalhou ao lado da serralheria de um amigo, de onde vinha o material para compor as obras.


“Juntava esse material com outros de oficinas de carro, bicicleta. Foi a partir daí que desenvolvi as esculturas de ferro, já que antes eram de madeira”, contou Lima.


Antes de montar as peças, ele mergulha na pesquisa dos materiais e do tema que deseja expressar através da arte contemporânea, com uma linguagem própria e de fácil compreensão. Uma arte reflexiva capaz de provocar mudanças de comportamento e zelo pelo Planeta Terra.


Ana Paula (a segunda da esquerda para direita) ao lado das colegas de projeto.                                                      Foto: Arquivo Pessoal
Ana Paula (a segunda da esquerda para direita) ao lado das colegas de projeto. Foto: Arquivo Pessoal

Bioeconomia e Inovação Social

Já imaginou transformar plásticos do lixo em poltronas, mesas, cadeiras e até carteiras escolares? Isso já é uma realidade no Povoado Pedra Furada, município de Santa Luzia do Itanhy (sul sergipano), distante 80 km de Aracaju.


A ex-marisqueira Ana Paula dos Santos Conceição e outras quatro mulheres da comunidade fazem parte do Projeto Zro, desenvolvido pela ONG The Human Project. Pelo trabalho recebem salário fixo, bem diferente do período em que trabalhavam na maré. “Isso aqui mudou a minha vida e a da Maria, da Domingas e da Priscila, que chegaram depois. Aqui não é igual à maré que a gente não tinha renda fixa. Hoje, além dessa renda, ainda colaboramos com o meio ambiente”, afirmou.


EcoDesk premiada pelo Design for a Better World Award .                                                                Foto: Arquivo Pessoal
EcoDesk premiada pelo Design for a Better World Award . Foto: Arquivo Pessoal

O carro-chefe do projeto é a EcoDesk: Carteiras Sustentáveis, Escolas Renovadas, premiada pelo Design for a Better World Award (DFBW Award). E essa produção sempre aparece em exposições nos shoppings da capital sergipana e já chegou a participar de um evento em Nova York.


“No Rio de Janeiro fomos à PUC. Eles trabalharam com o nosso material e desenvolveram o nosso conjunto Tutti Frutti, que é uma poltrona que vem acompanhada com a mesinha e com o design deles”, explica Ana Paula.


As cadeiras e carteiras já são comercializadas e utilizadas na escola da comunidade. “É muito gratificante ter contribuído com isso. As crianças amam muito, o pessoal da escola também. Foi maravilhoso ter o primeiro reconhecimento na nossa comunidade. Hoje, o meu objetivo com o projeto é gerar mais oportunidades para mais pessoas da comunidade”, revelou Ana Paula.

Placas e barras de plástico usados na fabricação dos móveis.                                                                             Foto: Arquivo Pessoal
Placas e barras de plástico usados na fabricação dos móveis. Foto: Arquivo Pessoal

O projeto existe há quatro anos e utiliza tecnologia social, a custos baixos e de fácil manejo. O material reaproveitado nas peças é o PP (polipropileno), muito usado para a fabricação de copos descartáveis, pratos e potes; e o PS (poliestireno), comum em copos descartáveis.

A fabricação envolve duas fases: na primeira, a matéria-prima é triturada em pedaços pequenos, peneirada e separada por cores; já na segunda, segue para o processo de derretimento em máquinas por 2h — tempo para ser transformada em placas e barras, que depois seguem para o acabamento artesanal.


Móveis feitos com plástico fabricado por ex-marisqueiras.                                                       Foto: Arquivo Pessoal
Móveis feitos com plástico fabricado por ex-marisqueiras. Foto: Arquivo Pessoal

O laboratório de prototipagem da The Human Project fica em Santa Luzia conta com o apoio do Sebrae para chegar a outras regiões do país. “A partir disso, a gente está indo para a Ilha de Itaparica (BA), Santarém (PA), Fortaleza (CE) e Mato Grosso. Fortaleza, Santarém e Ilha de Itaparica já começaram e Mato Grosso está previsto para este ano. No futuro, a culminância desse projeto, dessas entregas, é justamente o estabelecimento dessas cooperativas como negócios sociais de impacto mesmo”, explicou a conselheira suplente Débora Bahia.


Todos os meses, o projeto recebe uma tonelada de plástico da Cooperativa dos Agentes Autônomos de Reciclagem de Aracaju (CARE), localizada no Bairro Santa Maria, em Aracaju. No ano passado, a CARE retirou do meio ambiente 1.249 toneladas de latinhas de alumínio, vidro, papelão e plástico — deste último, foram 122 toneladas.

Catadores cooperados acompanharam o lançamento do Pró-Catadores de Sergipe.                                            Foto: Reprodução Sebrae
Catadores cooperados acompanharam o lançamento do Pró-Catadores de Sergipe. Foto: Reprodução Sebrae

Pró-Catadores Sergipe

No dia 2 de junho, o programa Pró-Catadores foi lançado oficialmente pelo Sebrae no Estado de Sergipe, no auditório do Centro de Convenções AM Malls, com a participação de lideranças ambientais, representantes de cooperativas de catadores, prefeitos, secretários de Estado e Municípios, representantes do Governo do Estado, Ministério Público e Tribunal de Contas.


A iniciativa estratégica do Governo Federal tem o apoio do Sebrae Nacional, com foco na promoção da inclusão social e produtiva dessa parcela da comunidade. Com isso, a proposta é fortalecer essa mão de obra, gerar emprego e ajudar as prefeituras na destinação correta dos resíduos sólidos.


A proposta inicial do programa é envolver 34 cooperativas e 465 catadores cooperados em 34 cidades, além de atender a 100 catadores autônomos. Assim como aumentar em 10% o faturamento das cooperativas e a participação delas no mercado, no programa Cidade Empreendedora e junto às prefeituras e instituições participantes do programa.


O presidente do Sebrae Nacional, Décio Lima, lembrou que Sergipe é o 17º estado alcançado pelo programa. Para ele, o caminho para um mundo sustentável, inclusivo e socialmente justo precisa ser encarado como um caminho sem volta.


“Este é um programa que, a partir de agora, ganha uma proporção que nos permitirá pulverizá-lo em todo o território nacional. Sergipe, com certeza, está nesse momento à frente, no que conseguimos alcançar no Brasil até o presente momento”, afirmou.


Décio Lima destacou o processo histórico de preconceito e exclusão enfrentado por essas comunidades que lutam por um planeta melhor e ainda precisam lidar com os dilemas pessoais e das comunidades onde estão inseridas.


“Ninguém nasce, num país como o nosso, para ser um reciclador, um catador. Por isso, estamos mostrando também a essência de uma obra humana. Ela produz resultados do ponto de vista da dignidade humana. Para mostrar e dar visibilidade a esse setor tão importante para o Brasil e para a humanidade”, destacou o presidente nacional do Sebrae.

Para a superintendente do Sebrae Sergipe, Priscila Felizola, o programa é muito mais que uma capacitação e consultoria para catadores e lideranças das cooperativas. “É um instrumento de transformação social e ambiental, que dá protagonismo aos catadores e às suas organizações. No Sebrae, entendemos que fortalecer essas cooperativas é também fortalecer a sustentabilidade, o empreendedorismo e a dignidade humana em Sergipe”, disse.


No Pró-Catadores Sergipe esses agentes ambientais serão orientados para a formalização com a inscrição de CNPJ. “O Pró-Catador vem atuando em quatro eixos. Um deles é trabalhar o autônomo, que é justamente identificar essas pessoas que não estão nos grupos organizativos do Estado, mas que querem empreender e entendem que esse trabalho é um empreendimento econômico. A partir daí, a gente trabalha com consultoria e capacitações para os grupos organizativos e os autônomos. Como também o grande trabalho de diagnóstico, a nível de Brasil, da economia circular no nosso país, através do programa”, explicou a gerente da Unidade de Ambiente de Negócios do Sebrae, Marianita Mendonça.


Adriano dos Santos, que é o representante da Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT) nos estados de Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará, também esteve no lançamento do programa em Aracaju. Ele acredita que o programa oferece uma visão profissional dos catadores e das cooperativas.


“Tudo bem que é um trabalho social e ambiental, mas também precisamos ser vistos como profissionais e inseridos no processo econômico. Quem fomenta e garante o material reciclável para a cadeia produtiva da reciclagem no país são os catadores. Estamos na base desse pilar e queremos receber por esse serviço com a contratação das cooperativas no serviço público”, desabafou Adriano.

A proposta do Pró-Catadores Sergipe é atender 465 catadores cooperados em 34 cidades.                                        Foto: Leandro Santana.
A proposta do Pró-Catadores Sergipe é atender 465 catadores cooperados em 34 cidades. Foto: Leandro Santana.

 
 
 

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