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“Não sou mais criança pra brincar”, justifica menina de 8 anos que pedia esmolas

  • 9 de abr. de 2024
  • 3 min de leitura



A qualquer hora do dia elas podem ser encontradas nas ruas dos grandes centros urbanos. Sozinhas ou na companhia de adultos, circulam livremente entre os carros ignorando os perigos a que estão expostas. Por horas, permanecem sob o sol quente e correm para as barracas improvisadas quando o tempo muda. Neste vai e vem angariam recursos para sustentar as famílias.


Nas feiras livres e mercados municipais também são encontradas. Muitas com o carrinho de mão usado para carregar as comprar de algum cliente disposto a trocar o serviço por algumas moedas. Outras usam apenas as palavras pra levar comida para casa.


No Mercado Municipal, na Zona Sul de Aracaju, encontramos uma menina de 8 anos e o irmão de 11 anos. Eles pediam esmolas para alimentar a família chefiada pela mãe, de 27 anos, que tem ainda uma criança de dois meses de vida. “Meu sonho é ter um emprego muito bom”, disse o menino, já com a responsabilidade de adulto.


Tudo isso sob o olhar da mãe que no passado também viveu nas mesmas condições dos filhos e acredita ser o melhor caminho diante da crise financeira familiar e distanciamento das políticas sociais. “Minha mãe me ensinou que é melhor pedir do que roubar, né moço?”, explicou esperando uma aprovação.


Enquanto estão mergulhadas nestas condições, as crianças refazem o caminho da mãe e perdem a infância. Deixam de lado tarefas na sala de aula e até as brincadeiras com os coleguinhas de turma e/ou vizinhos na comunidade onde moram. Mas como, se nem o básico têm para sobreviverem? “Vim pedi carne pra comer em casa. Eu não sou mais criança pra brincar”, justificou a garota de 8 anos.


Erradicar estas histórias é um dos objetivos da Agenda 2030. Objetivo cada vez mais distante de ser atingido, pois faltam políticas públicas eficazes e vontade política. Para o jornalista Gilberto Dimenstein, o “sintoma mais agudo da crise social” é quando uma sociedade gera uma criança em situação de rua, que em 2022 eram 70 mil no Brasil, segundo um estudo da ONG Visto Mundial. “Os pais são pobres e não conseguem garantir a educação dos filhos, que muitas vezes são obrigados a trabalhar desde criança”, afirma o jornalista no livro “Cidadão de Papel”.



Um estudo do IBGE aponta quase 2 milhões de crianças em situação de trabalho no Brasil, atividade proibida pela Estatuto da Criança e do Adolescente. Número que cresceu 7% de 2019 para 2022. Neste estudo, a população entre 5 e 15 anos representava quase dois quartos na pesquisa; entre 16 e 17 anos eram mais da metade com uma carga de trabalho semanal de 40 horas ou mais. Já 756 mil estavam nas piores formas de trabalho infantil, com riscos de acidentes ou prejudiciais à saúde (como a que narramos acima). Na série histórica, o Brasil chegou a 2,1 milhões de indivíduos não trabalho infantil. Em 2019 começou a cair e em 2022 registrou o primeiro aumento. São essas histórias vistas todos os dias nos centros urbanos e também nas zonas rurais do país.


Em 2016, a Resolução Conjunta do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) definiu ‘crianças e adolescentes em situação de rua’ como: “sujeitos em desenvolvimento com direitos violados, que utilizam logradouros públicos, áreas degradadas como espaço de moradia ou sobrevivência, de forma permanente e/ou intermitente, em situação de vulnerabilidade e/ou risco pessoal e social pelo rompimento ou fragilidade do cuidado e dos vínculos familiares e comunitários, prioritariamente situação de pobreza e/ou pobreza extrema, dificuldade de acesso e/ou permanência nas políticas públicas, sendo caracterizados por sua heterogeneidade, como gênero, orientação sexual, identidade de gênero, diversidade étnico racial, religiosa, geracional, territorial, de nacionalidade, de posição política, deficiência, entre outros”.



Em julho do ano passado, a cena de uma criança aos prantos, no Centro de Aracaju, passava despercebida no vai e vem dos carros e das milhares de pessoas que circulavam pelo Largo Esperanto. Bem ao lado, um garoto ignora o perigo de viver em situação de rua e brincava como se estivesse em um parque de diversão, só que sem brinquedos.

No espaço onde tinham a dignidade roubada, viviam da caridade de alguns e tinham como referência de lar um amontoado de material de papelão, lonas e lençóis velhos na calçada do Prédio Maria Feliciana (como foi batizado o Edifício do Estado de Sergipe) com seus 28 andares e 96 metros de altura. Bem diferente da definição de lar assegurada pela Constituição de 1988.


Texto e Fotografias: Anderson Barbosa - jornalista DRT/SE 1.147, membro da Academia Cedrense de Letras e Artes e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe.

Aracaju, 9 de Abril de 2024

 
 
 

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